sexta-feira, 1 de março de 2013

Dois anos e nove meses em três páginas

           Enquanto Casablanca roda no meu aparelho de DVD pela centésima vez,  eu volto em pensamentos para junho de 2010. A Copa do Mundo acontecia na África do Sul e eu estava  ansioso aguardando a ligação que confirmaria meu ingresso na Livraria Saraiva, do Barra Shopping Sul. Fora indicado pelo amigo e ídolo Helder Moura, que apesar de estar trabalhando lá há apenas dois meses, já era muito respeitado e querido pela gerência. Naquele momento, eu já tinha passado na prova e feito entrevista com a gerente, Tatiane Lopes. Só restava aguardar.
No dia 14 daquele mês, por volta das 18h, meu celular tocou e, do outro lado da linha, estava o então líder de vendas do turno da manhã, Lairton Bernardes.  Ele solicitou que eu me desligasse o mais rápido possível da empresa na qual eu trabalhava e, parabenizando-me, informou  que eu estava contratado. Eu trabalharia das 17h às 23h, mas passado meio mês, passei a cumprir o horário das 14h às 20h, o que me ajudou muito nos estudos, pois não chegava muito tarde em casa. Sempre quis trabalhar lá e, depois de entregar  mais ou menos dez currículos, durante dois anos, na loja do Praia de Belas, tinha conseguido, por ironia, no outro shopping, que até aquele dia, eu não simpatizava muito.
Fui recebido pelo líder de vendas da tarde, Marcelo Brasil, que disse tudo o que eu queria ouvir; “pode vir com o tipo de calça que quiser, com a camiseta que faz teu estilo, pode deixar a barba, se sempre quis deixar o cabelo crescer, essa é a hora”. Vindo de um primeiro emprego que era um arremedo de ditadura militar, senti-me o cara mais feliz e realizado do mundo com aquelas inesquecíveis palavras. A partir daquela recepção, comecei a relembrar quem eu era de verdade e o que queria da vida. Vejam só, que atraente, trabalhar com CDs, meu maior vício. Para completar a alegria, nesse meio de 2010, vi meu time vencer a Libertadores e consegui me “livrar” de um namoro que muito me prejudicava.
No início, eu era conhecido simplesmente como o “amigo do Helder“. Aos poucos, fui adaptando-me aos colegas, ao modo de trabalho da Saraiva e, dessa forma, acabei crescendo como pessoa e, consequentemente , como profissional. Foi extremamente estranho, apesar de bom, lidar com a liberdade de pensar, de discordar e de ser eu mesmo, uma vez que eu nunca tive essa oportunidade no meu primeiro trabalho. Após três meses, já estava totalmente inserido nas rotinas do meu setor.  Lá trabalhavam a Natacha Petkovicz, quase uma segunda mãe, que me mandava estudar e perguntava se eu estava dormindo bem e o mestre Jean Flecke, cujo “cérebro é um HD com capacidade infinita”, como disse o Helder, também colega de setor,  ao me apresentar a ele.
Marcela Goldschmidt, Gisele Alves, Geison Barbosa, Natacha Petkovicz Jean Flecke, Suzane Hallmann, Emanuelle Balk, Felipe Casser (cantor, pensador e degustador de vinhor), Tatiane Lopes, Jamila Macedo, Giovani Nunes e Sabrina são pessoas sensacionais que conheci nesse início. Continuo conversando com elas até hoje, pessoalmente ou pelas redes sociais. Certamente são amigos para a vida. Na Saraiva, tive oportunidade de conversar com clientes experientes e cultos, fãs de Ingmar Bergman, de Miles Davis, de Nietzsche. Aprendi com meus três companheiros de setor a valorizar um verdadeiro bom filme e com os colegas da livraria, um livro bem escrito. A música já era minha paixão, portanto, só expandi meu conhecimento.
                Nesse glorioso período da minha vida, consegui minha tão sonhada bolsa do ProUni, para estudar na FAMECOS. Devo tudo isso, além do meu esforço, à Saraiva, pois me possibilitou uma carga-horária baixa  com relação a qualquer outra loja e o Leia Mais, através do qual consegui retirar livros de gramática e de história interessantíssimos, que me auxiliaram no ENEM, e clássicos em geral, que aumentaram minha “bagagem”. Além disso, me foi permitido inclusive uma flexibilidade no horário para participar de festas e eventos na faculdade no primeiro semestre.
Dia 30 de março de 2011, aconteceu algo que marcou para sempre minha vida; Ozzy Osbourne fez show em Porto Alegre. Estavam comigo Marcelinha, Jamila, Suzane, Geison, Alexander, Bruno Paoli , Maurício, e Karina, da Saraiva, além da Janice, do Eduardo, do Darci, do Joe e do lendário Chapecó. Emoções fortes entre amigos e celebração ao pai do Metal.
Inesquecível dia em que conversávamos Helder, Tati, Giovane, Jean e eu com a lista dos vencedores  do Oscar de melhor filme na mão, riscando os que o Giovane já tinha na coleção. Era minha inclusão em um mundo do qual sempre quis participar. Consumidores de cultura que gastam mais, ao invés de adquirir um DVD com aquela escrita terrível de caneta com o nome do filme e a palavra “dublado” em baixo (absolutamente nada pessoal contra quem  os tem). Como não lembrar também das dezenas de vezes em que, enquanto guardávamos os filmes, a Natacha me perguntava se eu já tinha assistido algum específico e ao ouvir “não” como resposta, exclamava: “Não?! Meu querido, esse tu tem que assistir hoje”. E o Helder:  “Se você não viu esse, o que você viu? Só o Sexto Sentido?”. Por isso, comecei a assistir Tarantino, Paul Thomas Anderson, Chaplin, Bergman, Godard, etc.
Com carinho, recordo do meu primeiro dia no caixa, com a Sônia Vigneaux  e a Marcela, uma de cada lado, me dando as dicas.  Várias gargalhadas seguidas da tradicional frase “a gente ganha pouco, mas se diverte”. Nessa época, por volta de Fevereiro de 2011, eu já não ficava mais somente no meu setor, arriscava-me na livraria e vendia alguns notebooks de vez em quando. Sempre gostei de atuar no caixa, inclusive pedindo para aprender, o que causou espanto na Tati, que certa vez disse que eu era “a única pessoa de outro setor a pedir para operar no caixa”.
Tirei minhas primeiras férias, exatamente no mês que solicitei, graças a mais uma generosidade da Tati. Em 2011, muitas daquelas pessoas de quem eu gostava saíram, para trabalharem em suas áreas, serem felizes. Isso é muito bom. Mas, em contrapartida, nesse mesmo ano, entraram outras tão inesquecíveis como as primeiras, com as quais pretendo manter o contato, como o grande Vinícius Marçal, minha parceira de pessimismo Gabriela Santos, a louquinha de bom coração Sandra Cassariego (a única pessoa chata que eu gosto), a Gabriele Soares (talvez a pessoa que eu mais tenha incomodado para achar livros), o filósofo Pedro Gomes e a Larissa Prigol.
“Aí, seu Lucaaas! Qual é a situação?” A situação do final desse ano é que eu fiquei bebendo no posto, algumas vezes, após sairmos à meia-noite, com Helder (contrariado, louco para ir embora, hehehehe), Tati, Rita, Gustavo Affonso e o velho Alex Alves, novato na época.
Em 2012, apenas o Alessandro Pedroso, o Felipe, a Gi (que voltou após pouco tempo fora), o Helder, a Tati e o Jean eram mais antigos que eu na loja. A partir daí, promovido a vendedor talento, juntamente com minha companheira de “sofrimento “ Kamila Moura, entrei de vez nos complexos procedimentos da Livraria Saraiva; recall, E.G, SIS, saraiva.com, alocação, romaneios, notas fiscais. Fui apresentado a esse mundo de forma assustadora, mas consegui me adaptar e me saí bem, apesar de uma caixa perdida, notas não impressas e alguns produtos não encontrados.
Nesse mesmo ano, a galera da Espaço Vídeo invadiu a Saraiva. Anderson Stoll (longas discussões sobre Deus e sobre o amor), Diego Flores, o ator e músico Bruno Daitx e a Carol Lemos, a funcionária que vi ser promovida mais rapidamente. O grande viajante Marcel Fenner também entrou em 2012, mais ou menos junto com o Jonathan Ganguilhet. Eis que no final do ano, tivemos outras três belas surpresas; Guilherme Maltha, professora Helena Gastal e Diógenes Armani,  autor das melhores e mais longas apresentações da história das rapidinhas.
Depois de tantas emoções vividas e extraordinárias pessoas no meu caminho, me demiti, há uma semana. A obrigação me chamou. Tenho um sonho que só tem alguma chance de se tornar realidade se eu começar o mais rápido possível a lutar por ele. Agradeço pela ajuda no recall, na E.G, na ‘.com’. São tantas pessoas espetaculares, que eu escreveria um texto para cada uma que foi citada aqui. Mas todos sabem o quão importantes são para mim e o quanto vale a amizade que construímos nesses tempos trabalhando juntos. A parceira continua! Valeu, de verdade! Nos falamos por aí. Não deixem de me chamar para as festas e também nas horas difíceis, porque amigo serve para isso também.
Quis o destino que o meu ídolo Helder Moura estivesse longe no meu último dia, mas valeu pela lembrança no facebook e pelo celular, assim como a Marcela, que compartilhou a recordação do início da nossa amizade e a Gi, que me emocionou com uma belíssima mensagem de “despedida”. Vou lembrar para sempre dos inúmeros abraços da Tati no meu último dia, da expectativa que eu tinha a respeito dela que acabou totalmente superada, do sentimento e da minha gratidão que voltava para mim através dos olhos dela.
Os meus dois anos e nove meses na Saraiva são a prova de que as orações da minha mãe são ouvidas por Deus, pois ela sempre pede  para que somente pessoas boas passem pela minha vida.

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