sexta-feira, 28 de março de 2014

Desespero, convicção e liberdade

A segunda parte de Ninfomaníaca, antes de ser um filme sobre uma mulher viciada em sexo, é um protesto, um grito contra o machismo e contra a prisão na qual a sociedade e, muitas vezes, as próprias mulheres colocam seus órgãos e suas vidas sexuais. Com quem e com quantos ficam não diz respeito a ninguém, somente a elas mesmas. Lars Von Trier desenvolve essa ideia gradativamente, mas sem nenhuma hipocrisia. Aliás, essa é a palavra contra a qual o filme luta, sem descanso, durante os pouco mais de 120 minutos.

Assim como as roupas dos atores, as máscaras das falsas boas intenções do mundo são tiradas e jogadas no lixo pelo genial diretor. "Liberdade!", é o que esbraveja Joe (Charlotte Gainsbourg), a cada cena, a cada homem que ela "ataca" inescrupulosamente. Apesar de sofrer com a "doença", ela mantém sua convicção e não trai a si. Experimenta tudo que julga necessário e, em nenhum momento, permite que o preconceito faça dela prisioneira das próprias atitudes.

Se você assistir, cuidado para não cair na armadilha de achar que a obra é uma putaria. Aqui, o sexo é usado somente como argumento de libertação e como forma de tratar o preconceito e as angústias existenciais sob o único aspecto que faz parte da vida de todos os seres humanos e ainda é absurdamente tratado como tabu.

Mostrar peitos, vaginas e pênis na tela deveria ser o caminho natural do cinema, uma prática que precisa deixar de ser vista como incomum, em nome do fim do falso moralismo. Ora, que se cumpra a proibição para menores de idade em filmes específicos nos cinemas e que o mesmo seja feito pelos pais em casa, mas as grandes obras precisam fugir do dualismo: não mostrar pessoas nuas ou fazer um filme que será visto como "uma putaria" pela maioria.

Von Trier também traz controversas reflexões. "A pessoa que nasce com um desejo sexual tão absurdo como a pedofilia e consegue passar a vida toda sem tocar em uma criança, merece uma medalha", diz a desesperada Joe, sentindo pena daquele tipo de ser humano que toda a sociedade tem nojo. "Por que eu não posso chamar um negro de negro? Quando a sociedade não sabe como agir diante de um problema, ela proíbe que palavras sejam ditas", reflete a ninfomaníaca.

Imagine se, por exemplo, o Travis (DeNiro), de Taxi Driver (1976), aparecesse em nus frontais e fazendo sexo explícito com prostitutas. Esses fatos acabariam com a qualidade da obra máxima de Scorsese? Para alguns hipócritas, sim, mas eu afirmo que não, meus amigos. Mil vezes, não.


Finalmente. Se vocês forem maiores de idade, capazes de não se impressionar com práticas sexuais, vão ao cinema do Bourbon Country até dia 04 de abril (16h ou 21h40), sintam a crítica e não caiam, pelo amor de Deus, no lugar comum.

sábado, 15 de março de 2014

Ser um ser humano de verdade antes de ser um profissional

Nunca vou amadurecer, nunca vou me considerar "um grande profissional" ou "um homem". Nunca vou ser engolido pelo mundo maldito e ser sugado por esse interminável e nojento teatro de fantoches, no qual cada um assume uma posição e age de acordo com ela. Não quero meter medo nas pessoas por ter um cargo "superior", nem por me vestir como um trouxa e cheirar a perfume caro.

"Ah, mas um jornalista precisa saber isso ou aquilo". "Como tu não sabe, disso, jornalista?". Não sou "um jornalista". Guardem suas generalizações e suas determinações sufocantes para quem merece, não para mim. Eu estudo jornalismo porque eu gosto do assunto. E pronto.

Serei sempre eu, acima de tudo, de qualquer profissão, de qualquer empresa, de qualquer momento, modinha ou tendência. O garoto de Cachoeira do Sul, que aprendeu a ser gentil e educado com todos. Que antes de ouvir ensinamentos teóricos, aprendeu na prática com os melhores pais do mundo a ser um cidadão de verdade e uma pessoa feliz. Ler, estudar, ter cultura, pensar a política, o mundo e a mídia de forma crítica. Também vi eles se divertindo sem culpa, seja com uma viagem ou com uma bela refeição.

Vi com os jovens olhos um pai genial tratando os amigos de forma criativa e divertida, sem restrições. Ele sempre foi, e ainda é, um lindo sonhador, com um idealismo emocionante e contagiante e o maior coração do mundo. "Estou lutando por uma vida mais digna para os nossos filhos", dizia ele ao sair de casa empunhando a bandeira do partido do coração em anos de eleição. Ninguém faz um churrasco como ele.

Vi a mãe dando comida e roupas para quem não tinha. Também presenciei a luta dela, guerreira incansável, para construir uma casa nova. Está impressa irreversivelmente na minha memória a imagem dela cozinhando de guarda-chuva, por conta das goteiras existentes na cozinha da casa antiga, que havia sido construída pelas mãos do meu avô que não tive a oportunidade de conhecer.

Por isso, será o LUCAS trabalhando ou estudando em algum local, não o local tendo o lucas como propriedade sua e moldando a personalidade e os costumes dele.
Não vou me entregar. NUNCA!

Ser uma pessoa que precisa trabalhar, não um profissional. Eis o meu objetivo de vida. O mundo está cheio de profissionais que nem lembram mais que são indivíduos e que podem sentar na sombra de uma árvore para refletir, lembrar da infância, conversar com um velho amigo, se divertir sem culpa, enlouquecer entorpecido nas noites de sábado. Ou simplesmente não fazer nada, não pensar, não ter opinião, não falar. Só respirar e sentir. Sentir muito. Para valer. E deixar que os loucos corram nos seus carros e nos shoppings centers.

Cada vez mais, o jovem se interessa somente pela própria vida profissional, sufocado pela obrigação de escolher um curso assim que sai do ensino médio. O garoto não tem os pelos pubianos completos e os seios da garota ainda estão em crescimento, mas eles têm que saber o que querem fazer da vida e aprender a pensar de forma empreendedora, a projetar a carreira. São exatamente esses que votam no ídolo do futebol para deputado, no Sarney para senador e dizem que "são todos ladrões". Porque não são seres pensantes de forma geral, só são especializados na sua área e precisam do título de doutor para serem respeitados.

Dessa forma, as pessoas serão cada vez mais jovens de terno e gravata se comportando como adultos, queimando etapas, não tendo a permissão de parar para pensar o que querem de verdade, nem o que são de verdade. Reportagens mostram garotas de quinze anos que vendem roupas, abrem empresas. Para que? Não é por falta de dinheiro, porque, se fosse, elas seriam obrigadas a trabalhar com algo mais braçal, não teriam tempo de arriscar em um negócio tão incerto como as vendas.

Meus filhos, que Deus me ajude a tê-los, serão vestidos como crianças enquanto o forem, vão brincar na terra, subir em àrvore e lidar com as pessoas de forma igual, sem nenhum tipo de diferenciação. E eles serão escutados nas discussões da família, como eu era, não serão simplesmente "as crianças da casa", que são expulsas da sala na hora de falar sério.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Oscar 2014

O  prêmio de melhor filme está sendo disputado, de fato, por três longas. 12 anos de Escravidão, de Steve McQueen; Gravidade, de Alfonso Cuarón e O Lobo de Wall Street, de Martin Scorsese. Trapaça corre por fora. Azul é a Cor mais quente, de Abdellatif Kechiche, era possível concorrente em algumas das principais categorias, mas acabou desclassificado por um atraso de duas semanas no lançamento nos Estados Unidos e os ótimos Blue Jasmine, Álbum de Família e Inside Llewelin Davis injustamente não disputam a estatueta principal. No lugar deles, a academia preferiu o confuso e pretensioso Trapaça e Philomena, que apesar de ser um bom filme, não apresenta qualidades suficientes para tamanha glória e certamente perde para os três citados anteriormente.

Em poucas linhas, uma breve análise sobre os principais filmes do Oscar de 2014.  Aí está.

12 anos de Escravidão, de Steve McQueen

Relata o drama real de Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor), escravo que fora sequestrado anos depois de ter conquistado a própria liberdade. A obra baseada no livro de 1941 escrito por Northlup desenterra uma página vergonhosa da história americana. É um filme totalmente necessário. Torturas e intermináveis sessões de açoites são prolongadas diante da câmera de Steve McQueen para que a história realmente seja sentida pelo espectador, praticamente um Tratamento Ludovico da vida real. Michal Fassbender (Edwin Epps) tem atuação segura e elogiável como o sádico senhor de escravos, mas McQueen deixa claro quem deve brilhar e acerta em cheio. Lupita Nyong'o (Petsy), a serva mais competente e dedicada de Epps, transmite fragilidade e, ao mesmo tempo, raça e vontade de seguir em frente, de voltar a sonhar com um futuro onde a decisão sobre o que fazer com a própria vida caiba a ela,  não ao seu senhor. Com a preciosa ajuda da possível vencedora do Oscar de melhor coadjuvante do ano, Chiwetel Ejiofor segura o filme até o fim. Paul Danno rouba a cena como o desequilibrado John Tibeats, um dos carrascos de Solomon.
No fim das contas, diante de acontecimentos tão degradantes e tristes, mostrados de forma tão crua quanto sensível por McQueen, temos apenas dois vencedores; o cinema e o inconsciente coletivo, que começará a sentir mais repugnância e pena daqueles homens que se julgam superiores a outros homens.

Capitão Philips, de Paul Greengrass

O ufanismo americano mais uma vez é filmado e levado ao Oscar. Felizmente, desta vez, o prêmio não será entregue por Michele Obama e a academia não cometerá mais uma injustiça, como quando consagrou o fraco Argo, de Ben Affleck. O único quesito em que a obra de Greengrass supera a de Afleck é nas atuações. Tom Hanks entrega-se ao exigente papel do Capitão, e vai bem, embora falte a ele certa plasticidade e agilidade nas cenas de ação.  Barkhad Abdi, em sua estreia, contracena com Hanks e convence totalmente como o pirata somaliano. A obra prende o espectador na cadeira do cinema e Greengrass, com sua câmera na mão, transmite de forma fiel a ansiedade do protagonista. Impossível fazer julgamentos ideológicos antiamericanos diante daqueles acontecimentos. O bom roteiro é minuciosamente produzido a fim de nos convencer de que, sim, O Capitão Philips e seus comandados são trabalhadores do bem e que os somalianos são os predadores, os invasores. Finalmente, as duas atuações, combinadas com uma direção pertinente e um roteiro muito bem desenvolvido, merecem as indicações e, talvez, as estatuetas de roteiro adaptado e de ator coadjuvante.

Ela, de Spike Jonze

O argumento inicial: Theodore (Joaquim Phonenix), um homem antissocial e decepcionado com seu antigo relacionamento se apaixona por um sistema operacional que se chama Samantha (Scarlett Johansson). Qualquer indivíduo em sã consciência duvidaria do sucesso dessa história. Mas, para o bem da arte cinematográfica, Spike Jonze insistiu nessa ideia aparentemente absurda. Ele desenvolveu seu protagonista e seu roteiro de forma tão concisa e convincente, que começamos a entender aquela paixão e achar tudo normal e aceitável. Inclusive, a máquina passa a nos provocar sentimentos, pois ela também os tem e os demonstra de forma insegura. "Às vezes eu penso que seríamos mais felizes se eu tivesse um corpo", diz ela. Nesse momento, já nem lembramos que por alguns instantes aquela relação nos pareceu impossível. Ao decorrer do tempo, Theodore passa a ignorar o mundo ao seu redor, chegando ao ponto de sentar na praia com seu fone e conversar apaixonado com Samantha. É um convite irresistível para que entremos de vez na história e ignoremos qualquer lógica. O fato é que a máquina e o homem estão se amando e não há nada que possamos fazer. Phoenix está incrível no papel, contracenado com fones, computadores, videogames e, às vezes, com Amy Adams, que interpreta sua única amiga, Amy. Diante de algo tão extraordinário, impossível não entregar a estatueta a Spike Jonze.

Trapaça, de David O. Russell

Trapaça paga um alto preço por ser “um filme de Oscar”. Mesmo que não seja uma obra prima, está longe de ser desprezível e tem cenas memoráveis. Os dois protagonistas ficaram muito à vontade no clima dos anos setenta. Bale está impagável como o fanfarrão corrupto e Amy Adams, simplesmente divina. Ela exala sexualidade com seus generosíssimos decotes e conquista o espectador com um olhar irresistível. Uma pena que concorra com atrizes superiores e com muito mais chão. A trilha sonora salva um pouco, com clássicos de Clapton e Paul McCartney.
No mais, um Bradley Cooper que parece não saber o que está fazendo ali e a super estimada Jennifer Lawrence se esforça tanto, mas convence em poucos momentos. Suas bochechas e seu ar esnobe definitivamente não combinam com a personagem, uma perua burra e descontrolada, cujo filho poderia ser personagem chave no filme, mas é simplesmente esnobado e esquecido pelo roteiro. Roteiro, aliás, que parecia bom, mas acaba sendo destruído pela montagem e por uma direção inconstante, sem padrões e estilo definidos. Talvez Russel seja a figura mais super estimada do cinema americano contemporâneo. Ele parece ter filmado cada cena esquecendo que em algum momento precisaria encaixá-las para montar um longa.
Por fim, a história é interessante, mas peca por ter várias reviravoltas na última meia hora e, por isso, acabar de forma confusa. O leitor pode ter certeza de que trata-se de um bom filme, mas não temos palavra melhor para defini-lo do que "superestimado", assim como seu diretor e sua atriz que vergonhosamente ganhou o Globo de Ouro e aparece como favorita ao Oscar da categoria.

O Lobo de Wall Street, de Martin Scorsese

O longa conta a história real de Jordan Belfort (Leonardo DiCaprio), um homem de origem pobre que enriquece cometendo inúmeras ilegalidades quando trabalhava como corretor na bolsa de valores nos Estados Unidos e que levava um vida de exageros, festas luxuosas e inimagináveis extravagâncias, como o lançamento de anões em vez de dardos em um alvo. O melhor ator do ano se entrega de forma comovente e insana ao papel, curte cada momento, é engraçado ou triste e digno de pena sempre que o roteiro exige. Jonah Hill, outro possível vencedor do prêmio de coadjuvante, viaja junto com DiCaprio e também se diverte divertindo.
O gênio Scorsese tem total controle sobre cada ação, cada cena é feita como se fosse a última da vida de cada ator. Poucas vezes o lema “viva rápido e morra jovem” foi levado tão à risca dentro da tela. É simplesmente impossível recusar o convite para entrar em um mundo tão deliciosamente politicamente incorreto e pecador. Extasiados, não temos tempo para julgar Belfort pelas suas infrações. Este é o ponto principal que eleva O Lobo de Wall Stret a melhor filme do Oscar e a um marco do cinema contemporâneo.
Essa obra foi feita por um dinossauro, um dos maiores diretores que o cinema mundial já viu.
Ele ignora seus cabelos brancos e segue fazendo filmes ágeis, jovens.
Essa é a diferença entre um diretor competente e um gênio da sétima arte. Se um realizador comum quisesse que o personagem não fosse julgado, ele usaria de argumentos cabíveis para isso. Scorsese simplesmente empilha cenas magistralmente dirigidas, com sutis passagens de tempo e um humor refinado, que em nenhum momento fica pedante. Vá ao cinema e prepare-se para momentos mágicos e para uma aventura de sentimentos e emoções, além de muitas risadas. Filme do ano.

Nebraska, de Alexander Payne

Bruce Dern concorre ao Oscar de melhor ator como o senhor que acredita que ganhou um prêmio de um milhão de dólares e tenta convencer seus familiares a viajarem três estados americanos com ele para receber a bolada. Todos sabiam que se tratava de uma farsa, mas o idoso insistia. “Quanto tempo mais ele viverá? Deixa ele viver esse sonho”, exclama o filho que topa percorrer o longo caminho por puro amor ao pai.
O cinema artístico está presente aqui. Os planos são belíssimos, parecem uma pintura, através de uma fotografia impecável em preto e branco, que merece o Oscar da categoria. A direção de Payne é lenta e permite que o roteiro de Bob Nelson brilhe, desenvolvido sem pressa, com pausas estratégicas claramente feitas para que possamos sentir muito, em vez de pensar. Nebraska tem personagens engraçados e propositalmente caricatos, para que façam contraponto com a poesia e a sensibilidade do protagonista. A obra não subestima o espectador, pois Bruce Dern comporta-se como um idoso real, às vezes romântico e gentil e, em outras, ríspido. A inocência dele é levada ao extremo e acaba por aumentar o charme da obra.
Após grandes momentos de sonho, há o golpe no momento em que ele descobre a farsa e tem seu prêmio recusado pela atendente. O final é realista, mas não é cruel, devido à sensibilidade do autor, que nos prepara para o baque, nos mostrando aos poucos as lembranças e angústias daquele homem que tanto sonhou, até a idade avançada, com uma vida financeira melhor, que lhe permitisse maior conforto e sua tão desejada caminhonete. Uma fábula sobre a velhice, seu desespero e a proximidade da morte que obriga a lembrar dos angitos anseios que provavelmente não serão realizados. O filme do ótimo Payne mereceria um prêmio especial por contribuição artística, mas como vivemos na vida real, fiquemos felizes pelo reconhecimento da indicação e com o prêmio de fotografia, que também seria justo se fosse entregue ao filme dos irmãos Coen.

Philomena, de Stephen Frears

A história real de Philomena Lee (Judi Dench), uma freira que é convencida de que seu filho é fruto de um pecado e que por isso ele deve ser doado, como punição para esse delito. Começa o drama dessa mulher, que esperaria 50 anos para tentar descobrir o paradeiro do menino. Em nenhum momento, ela culpa a igreja, ao contrário do jornalista Martin Sixsmith (Steve Coogan), que a ajuda na empreitada e suga toda a mágoa que poderia haver nessa história e jura, enraivecido, que jamais teria perdoado tamanho mal causado pelas religiosas.
A obra deixa no ar uma crítica à igreja católica e tem como ponto positivo o fato de não entrar no mérito da discussão, simplesmente deixar a questão para o julgamento do público. Uma direção fraca simplesmente filma o bom roteiro adaptado e acerta somente nos closes do incrédulo jornalista diante das frases hilárias e inacreditáveis da puritana idosa.
Em suma, uma história que tinha tudo para emocionar, mas poucas vezes consegue e uma atuação fofa (desculpa, não tem como encontrar outro adjetivo) de Dench, mas sem chances de vencer o prêmio maior da categoria. O roteiro adaptado talvez vencesse se não concorresse com os gigantes Lobo de Wall Street e 12 anos de Escravidão.

Gravidade, de Afonso Cuáron

O que dizer do filme mais comentado do ano? Está em cartaz há meses e segue dando o que falar em Porto Alegre. Alguns amam, elogiam empolgados, outros exclamam: “nem tenho vontade de ver”. Por ser um filme extremamente técnico e aparentemente com pouca ação, acaba chamando a atenção do cinéfilo que cultua obras feitas para sentir e não para ver. Também foi adorado pelos fãs de blockbuster, devido à dupla super popular de atores (Bullock e Clooney); e pela academia, pela sua inegável qualidade técnica.
A história não é relevante, uma vez que devemos nos apegar ao sentimento que ela nos causa e ao total desamparo sofrido pelos indivíduos em questão, transmitidos muito bem por Sandra Bullock em bom momento. Clooney fica praticamente como um espelho para a atuação dela, claramente o foco de Cuarón. Tanto que a vida dele só é lembrada e valorizada no momento em que ele precisa salvar a pele da musa do filme. Ela não tem talento o suficiente para segurar tamanha responsabilidade o tempo todo. E o diretor, ciente disso, foca na elasticidade de sua atriz e, nesse sentido, ela não decepciona. Com poucos planos close-up e planos-sequência memoráveis, Gravidade entra para a história do cinema como um filme vindo de outro mundo, que merece ganhar todos os prêmios técnicos e a estatueta pela genial direção.
Mas o cinema cruza os dedos para que não ganhe os prêmios para o roteiro omisso e para a atuação que só não compromete graças à pertinente direção.

Blue Jasmine, de Woody Allen

Woody Allen acerta em cheio com mais um roteiro que só não merece o Oscar por concorrer com o imbatível Ela. Se existisse um prêmio especial para melhor criação de personagem, alguém já teria levado a estatueta para a casa do velho Woody, uma vez que ele nunca vai à cerimônia. Cate Blanchett, a melhor atriz do ano, compreende e vive todas as nuances de Jasmine, uma ex-rica que se vê obrigada a lutar pela sobrevivência e a entrar em um mundo de classe média baixa após a prisão de seu marido corrupto. Ela se reaproxima da sua irmã Ginger (Sally Hawkins) com o objetivo de se reerguer, mas o estilo de vida errante e o namorado beberrão dela fazem com que Jasmine se sinta mais excluída e aquele ambiente se torna incompatível com a senhora de classe alta, acostumada com ótimos vinhos e frequentes viagens. Allen, outra vez genial, traça um comparativo entre o passado e o presente da vida de sua musa. Os bares sujos, a casa apertada e o afeto da irmã contrastam com o luxo dos locais antes frequentados por ela e com o marido, que a trata como simples objeto. Blanchett se apaixona pela sua personagem, evidentemente impulsionada pelo talento de seu diretor, que pensou em cada detalhe. Woody Allen entregou um filme com mais do mesmo. Os fãs, sempre fiéis, e a academia, gostaram.

Álbum de família, de John Wells

Se você está com problemas com algum ente querido e está pensando em nunca mais falar com ele. Ou se você vive em um ambiente familiar hostil e cruel, com línguas más e afiadas, por favor, vá ao cinema assistir Álbum de Família. Será o filme da sua vida. Meryl Streep está genial como a mãe que acaba de perder o marido e passa a lembrar do passado, apesar de todos quererem esquecê-lo. Mágoas vividas são trazidas à tona e o brilhante elenco fica atônito em roda da mesa de um jantar que parece não ter fim. Impossível não sentir raiva de Meryl a cada frase proferida por ela, que mais parece uma faca cortando os egos e a esperança de ignorar um passado que agora se faz presente. O falecido poucas vezes é citado. A narrativa deixa, com sabedoria, a responsabilidade com os atores. Julia Roberts e Chris Cooper lideram um grupo de coadjuvantes de primeira e carregam o filme com naturalidade, capitaneados por uma atuação divina da recordista em indicações para melhor atriz.

Peço desculpas ao leitor, pois não tive a oportunidade de assistir Clube de Comprar de Dallas. Portanto, não posso comentá-lo.

Melhor filme - Eu quero que ganhe O Lobo de Wall Street. Vai ganhar, provavelmente, 12 anos de Escravidão

Melhor direção - Eu quero que ganhe qualquer um que não Russell. Vai ganhar McQueen ou Cuáron

Melhor ator - Quero que ganhe DiCaprio. Vai ganhar McConaughey

Melhor atriz - Quero e vai ganhar Cate Blanchett

Melhor ator coadjuvante - Quero que ganhe Barkhad Abdi ou Jonah Hill. Vai ganhar Jared Ledo

Melhor atriz coadjuvante - Quero que ganhe Lupita Nyong'O ou Sally Hawkins. Vai ganhar Lupita Nyong'O ou  Lawrence

Melhor roteiro original - Quero que ganhe e vai ganhar Ela.

Melhor roteiro adaptado - Quero que ganhe e vai ganhar 12 anos de escravidão ou O lobo de Wall Street.




quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

A minha e a sua infelicidade


Após ler esse texto, você perceberá que sua felicidade é uma mentira que contaram para você. Se não foi contada por outros, foi uma besteira que você mesmo, em uma atitude inconsciente e desesperada, obrigou-se a acreditar.
Prova número um: Você precisa deixar de ser você para conquistar aquilo que você quer. Logo, quem conquista não é você, mas o “ser” que você foi obrigado a se tornar para obter tais resultados. No final, você ficará feliz? Não, porque você não será mais você. O ser humano vai se adaptando e se transformando. Portanto, o “você” que conquistou será sempre diferente do “você” que antes queria aquilo que foi conseguido.
Exemplificando: Imaginemos uma pessoa de 17 anos que deseja muito ser professora de matemática. O primeiro passo dela será estudar muito, devorar os livros para passar no vestibular. Mesmo sendo uma apaixonada por exatas, terá que saber diferenciar os tipos de rochas, não poderá nem pensar em chegar ao dia do vestibular sem lembrar o que é uma meiose, uma mitose, um dígrafo. Quem são os autores que representaram a geração “mal do século?” Mal do século é ela ter que estudar esse tema, sem ter o menor interesse.
Ao chegar à faculdade, ela encontrará todos os tipos de pessoas e terá que se adaptar àquele novo estilo de vida. Comer no R.U, esperar ônibus ou depender de uma van, do pai que busca. Ela adorava dormir até tarde. Se estudar à noite, ele perderá parte da vida noturna. Caso o turno de estudo for a manhã, pior ainda. Alguns amigos de escola trocarão de cidade, também em busca do maldito sonho. As festas que costumava frequentar já não lhe serão “permitidas”, pois são “coisa de ensino médio”.
Depois de se formar, terá que agradar ao dono de um cursinho ou passar em um concurso público para conseguir realizar seu grande desejo. Relembrar a forma correta de usar a crase e os “porquês” ou mudar de personalidade, mais uma vez, para satisfazer outra pessoa? Me digam, amigos. O que restou daquela jovenzinha que tanto se esforçou para chegar até ali? Só o nome.
Não tem para onde fugir. Se você não fizer nada na vida, não terá emoções nem realizações. Se tentar fazer algumas coisas, a maioria dará errado. E o que der certo, não trará satisfação, exatamente pelo motivo citado acima. Por isso, o gênio Schopenhauer defendia com grande inteligência que, no inferno que é a vida, devemos encontrar um recanto à prova de fogo. Essa fuga, de acordo com o autor, é a arte. (em breve, neste blog, um texto tratando da arte como recanto à prova de fogo).
Prova número dois: Você já pensou qual é a tendência das inúmeras situações da vida? Por exemplo, se você comer tudo que você quiser e praticar exercícios físicos somente quando realmente tiver vontade, com qual peso e em quais condições de saúde você chegará aos 40 anos? Se você conseguir sobreviver, você será obeso. Bem obeso. Não minta para você mesmo,  nem para mim. Admita que se você não se esforçar nem um pouco e comer só aquilo que realmente lhe apetece,  seu cardápio diário seria carne gorda, batatas fritas, ovo frito, X bacon, pizza com muito queijo, bastante maionese e muito refrigerante ou cerveja. Esses são só alguns exemplos, mas não diga que seu prato preferido é alface, por favor. Chá? Só porque você faz um esforço.
Você jamais serviria brócolis e ficaria uma hora na academia ou na esteira. Ora, se o normal e natural te faria mal, então o natural e normal da vida é ela dar errado. Eu sei que talvez você ache que gosta de ir à academia, mas pode dizer para você mesmo, agora, enquanto lê esse pretensioso texto, que ficar no sofá com o controle remoto na mão é muito mais prazeroso. Você tenta se enganar, porque somos convencidos desde a infância a sermos infelizes e a não fazermos o que gostamos. “Não come salgadinho, come fruta”, dizem as mães bem intencionadas. Ora, como elas foram instruídas dessa forma, acabam perpetuando, obedientemente, a infelicidade. Mas preciso dizer que elas são vítimas e não carrascos. Eu faria o mesmo pelo meu filho.
Se a vida fosse feita para dar certo, você não precisaria se esforçar para chegar à meia idade com saúde. Repito, o comum é a vida dar errado.
Prova três: Quantos dedos você tem? Bom, se você não for o Lula, você tem vinte. Certamente você já chutou o chão e ficou com um dos vinte doendo muito. Tente lembrar-se desse dia. O que mais chamou a atenção, o dedo machucado ou os outros dezenove bons? Não minta. Você teve que fazer um grande esforço para tentar esquecer-se do dedo dolorido. Preste bastante atenção. Mais uma vez foi preciso esforço para esquecer-se  do que estava ruim e lembrar-se do que estava bom. Fazer força para fugir do destino natural da vida, a dor.
Para finalizar esse argumento: quando você vai ao supermercado comprar dez itens e encontra nove, qual que mais vem à sua mente depois de chegar em casa com as compras? É terrível essa vida, não é mesmo? O queijo está ali na sua mesa, o suquinho também, mas o controle da TV está sem pilha e você não comprou. O café será ruim, porque você terá que levantar da cadeira cada vez que quiser trocar o canal. Se faltasse o suco, o pão teria dificuldade para descer e de nada adiantaria o controle remoto funcionando. A garganta seca, com farelos, seria o centro de sua atenção.
Prova quatro:  a convivência com os amigos e familiares. Pense nas pessoas que você mais ama. Quantas vezes você fica irritado e de mau humor por conta de alguma atitude delas? O natural nesses momentos seria você xingar, brigar, gritar, pois essa é a vontade que simplesmente vem sem que você peça. Cabe ao animal, ao homem das cavernas que se acha culto, controlar seu instinto, respirar fundo e, em mais um ato de grande esforço para inverter a lógica da vida, conversar de forma educada.
Estamos falando daqueles pelos quais você tem grande apreço. Imagine se fosse com alguém por quem você não tem quase nenhum carinho. A vontade, às vezes, é soquear até a morte. Uma pena que o homo sapiens domesticado não possa ferir seu semelhante.
Sem esforços, infalivelmente, você será infeliz. Se fizer o impossível para conseguir seu recanto à prova de fogo, perceberá, no final, que teria sido bem melhor se toda a humanidade tivesse se atirado no lago e morrido queimada de uma vez.


A imagem ao lado é do genial filme A Rotina tem seu encanto (1962), de Yasujiro Ozu, o cineasta do cotidiano.