sexta-feira, 28 de março de 2014

Desespero, convicção e liberdade

A segunda parte de Ninfomaníaca, antes de ser um filme sobre uma mulher viciada em sexo, é um protesto, um grito contra o machismo e contra a prisão na qual a sociedade e, muitas vezes, as próprias mulheres colocam seus órgãos e suas vidas sexuais. Com quem e com quantos ficam não diz respeito a ninguém, somente a elas mesmas. Lars Von Trier desenvolve essa ideia gradativamente, mas sem nenhuma hipocrisia. Aliás, essa é a palavra contra a qual o filme luta, sem descanso, durante os pouco mais de 120 minutos.

Assim como as roupas dos atores, as máscaras das falsas boas intenções do mundo são tiradas e jogadas no lixo pelo genial diretor. "Liberdade!", é o que esbraveja Joe (Charlotte Gainsbourg), a cada cena, a cada homem que ela "ataca" inescrupulosamente. Apesar de sofrer com a "doença", ela mantém sua convicção e não trai a si. Experimenta tudo que julga necessário e, em nenhum momento, permite que o preconceito faça dela prisioneira das próprias atitudes.

Se você assistir, cuidado para não cair na armadilha de achar que a obra é uma putaria. Aqui, o sexo é usado somente como argumento de libertação e como forma de tratar o preconceito e as angústias existenciais sob o único aspecto que faz parte da vida de todos os seres humanos e ainda é absurdamente tratado como tabu.

Mostrar peitos, vaginas e pênis na tela deveria ser o caminho natural do cinema, uma prática que precisa deixar de ser vista como incomum, em nome do fim do falso moralismo. Ora, que se cumpra a proibição para menores de idade em filmes específicos nos cinemas e que o mesmo seja feito pelos pais em casa, mas as grandes obras precisam fugir do dualismo: não mostrar pessoas nuas ou fazer um filme que será visto como "uma putaria" pela maioria.

Von Trier também traz controversas reflexões. "A pessoa que nasce com um desejo sexual tão absurdo como a pedofilia e consegue passar a vida toda sem tocar em uma criança, merece uma medalha", diz a desesperada Joe, sentindo pena daquele tipo de ser humano que toda a sociedade tem nojo. "Por que eu não posso chamar um negro de negro? Quando a sociedade não sabe como agir diante de um problema, ela proíbe que palavras sejam ditas", reflete a ninfomaníaca.

Imagine se, por exemplo, o Travis (DeNiro), de Taxi Driver (1976), aparecesse em nus frontais e fazendo sexo explícito com prostitutas. Esses fatos acabariam com a qualidade da obra máxima de Scorsese? Para alguns hipócritas, sim, mas eu afirmo que não, meus amigos. Mil vezes, não.


Finalmente. Se vocês forem maiores de idade, capazes de não se impressionar com práticas sexuais, vão ao cinema do Bourbon Country até dia 04 de abril (16h ou 21h40), sintam a crítica e não caiam, pelo amor de Deus, no lugar comum.

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