segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

O autor que amava o amor

Em O Homem que Amava as Mulheres (L'homme qui aimait les femmes, 1977), François Truffaut justifica, mais uma vez, o seu alcunha de “cineasta do amor” (este blog já tratou do tema no lendário post sobre o filme Jules e Jim). Através do personagem (Charles Denner), um conquistador compulsivo, o diretor mostra a possibilidade de um homem se apaixonar por diversas mulheres, cada uma por um diferente motivo.

O protagonista descreve honestamente suas conquistadas, que não têm uma beleza nos padrões hollywoodianos, mas sim admiráveis peculiaridades, como irresistíveis "balançares de vestido"  e a forma firme de caminhar. O herói também “não é um Dom Juan”, mas o ar “circunspecto” dele garante seu charme.

Naturalmente, o herói da película trata muitas das mulheres como um simples objeto de prazer, o que não o torna um cafajeste ou um oportunista. Ele também se comporta como tal e é, quase sempre, sincero com elas - que simplesmente não o resistem.

Sem cair na tentação de julgar o protagonista, o que provavelmente aconteceria com um diretor comum, um indecifrável Truffaut retrata a vida desse homem que busca a felicidade da sua forma, sem medo das opiniões alheias. Um indivíduo pacato exteriormente (seu visual é completamente casual), mas intenso no seu íntimo.

Sob um único ponto de vista, com exceção do texto final, a película tem um tom autobiográfico, contada por um narrador cujas duas posições se fundem; o escritor do livro e o narrador do filme em si. As duas obras começam separadas e, com o decorrer dos fatos, assumem um único sentido.

Truffaut sempre buscou entender o amor, desde o tempo em que anarquizava ao lado dos colegas de Nouvelle Vague. Aqui, ele o faz, novamente, com criatividade e seu típico frescor. A aparente confusão fará todo o sentido para o espectador, ao final do longa. Ou ao final do livro?

No fim das contas, o amor retorna às cinzas, e os indivíduos são jogados à própria sorte, lambendo a poeira do chão antes habitado pelos espíritos livres que acreditavam em um sentimento que, de tão puro, é simplesmente inalcançável para a raça humana. Ilusão que seguirá deixando mortos na telona, nos palcos de teatro, no morro, no palácio, na televisão e no meio das ruas.